APRESENTAÇÃO
Com grande satisfação, o NEJAP parte para seu V Colóquio, numa tradição que remonta o ano de 2016. Nestes tempos de pandemia, duros para todos, aprendemos muito. Como não poderia ser diferente, o V Colóquio irá realizar-se de modo completamente remoto, numa mistura de atividades síncronas e assíncronas. O maior destes aprendizados foi, sem dúvidas, as potencialidades do meio digital em criar redes de solidariedade acadêmica e ampla divulgação científica.
O evento inicia-se formalmente com uma Live inaugural dia 06/12. Dia 17/12 teremos uma Live de encerramento com a presença do ilustre professor Alexandre Uehara, que tratará de questões atuais, como o Japão diante da pandemia de COVID-19 e as perspectivas pós-pandemia. Estas duas Lives constituem o núcleo de atividades síncronas, que conferirão, cada qual, certificado próprio de duas horas aos que participarem durante a transmissão.
As demais atividades poderão ser vistas a qualquer tempo entre sua publicação (06/12-07/12), até a data final do evento (20/12). A soma das atividades assíncronas, compostas por 7 Comunicações orais e 2 Minicursos, concederá um certificado de 20 horas aos que completarem a carga-horária mínima de 75% de presença. Para obter tal certificado, é necessário assistir os vídeos e marcar sua presença até 20/12. O acesso a todos os vídeos ficará restrito aos inscritos durante o período previsto para a duração do evento, sendo tornado público a todos a partir do dia 21/12, salvo prorrogação.
As inscrições são gratuitas, e darão acesso à playlist que contemplará todos os vídeos do colóquio. Para inscrever-se, basta preencher este formulário. Os inscritos receberão o link de acesso e todas as instruções para a participação no evento e a conferência de presença no dia 06/12, até as 15 horas. Em caso de dúvidas, o e-mail para contato é nejap@nejap.ufsc.br.
Abaixo das imagens, constam os resumos de cada Comunicação e Minicurso.
Observação: as datas mudaram! É possível inscrever-se até o dia 15/12, e embora a Live de encerramento continue marcada para 17/12, o evento ficará aberto para os inscritos verem os vídeos e obterem certificado até o dia 10/01.
RESUMOS
Comunicações:
- A experiência feminina dekassegui no romance “Sonhos Bloqueados” (1991)
Luana Martina Magalhães Ueno (mestranda em História Social – UEL; pesquisadora do LAPECO e do CEA/UFF)
A década de 1980, conhecida como a “década economicamente perdida”, é marcada por dificuldades geradas pela crise econômica iniciada nos anos de 1970. Nesse decênio ocorreu o baixo dinamismo na economia e aumentou o desemprego. Assim, para alguns sujeitos a única saída de ascender socialmente ou manter-se economicamente seria emigrar para países como os Estados Unidos, Canadá e o Japão. Dentro desses, houve o movimento dekassegui, no qual nipo-brasileiros migraram para o Japão com uma perspectiva de enriquecimento muito parecida dos primeiros imigrantes japoneses (1908). Sendo este, um tema de destaque no livro “Sonhos Bloqueados”, de Laura Honda-Hasegawa, publicado em 1991 e pela Editora Estação Liberdade. Dessa maneira, o objetivo deste trabalho é analisar a construção da narrativa em torno do fenômeno dekassegui, compreendendo como Honda-Hasegawa expressou os contextos sociais das décadas de 1980 e 1990, destacando o papel da mulher na emigração. Para isso, utilizaremos autores que analisam o fenômeno dekassegui, como: Elisa Massae Sassaki Pinheiro (2000; 2009); Cristiane Yuri Toma (2000); Francisca Bezerra de Souza (2014). Metodologicamente, dialogaremos com autores que discutem a literatura e a história: Antonio Candido de Mello de Souza (2006) e Roger Chartier (2014).
Palavra-chave: Movimento dekassegui; nikkeis; mulheres; “Sonhos Bloqueado”; Laura Honda-Hasegawa.
- A repolitização das artes cênicas e performáticas contemporâneas no Japão após o evento catastrófico de 3.11
Rafael Mariano Garcia (doutorando no PPG Artes da Cena – UNICAMP)
Após o grande terremoto, seguido de tsunami e acidente nuclear em Fukushima, ocorrido em 11 de março de 2011, conhecido simplesmente como 3.11, o Japão passa a testemunhar uma das mais expressivas mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais desde da Segunda Grande Guerra. Imediatamente, agentes do teatro e da performance atuaram em resposta ao imenso desastre humano na tarefa de explorar maneiras para compreender e dar forma à era pós-Fukushima. Nesse sentido, esta comunicão busca debater três importantes obras artísticas que fizeram parte desse conturbado período: o espetáculo Sayonara”(versão 2011) de Hirata Oriza, o “teatro musical” Jimen to yuka (Chão de piso, 2013) de Okada Toshiki, e a performance “Referendum Project” (2011), de Akira Tarayama.
Palavras-chave: Japão; Arte japonesa; Fukushima; Pós-3.11.
- Distopias não tão distópicas: o futuro como possibilidade nos audiovisuais animados japoneses das décadas de 1980-1990
Geovana Siqueira Costa (mestranda em História – UFRRJ, pesquisadora do CEA/UFF)
No âmbito do Japão contemporâneo, principalmente nas décadas de 1980-1990, houve a produção de variadas obras audiovisuais animadas a respeito de uma temática em comum: o futuro incerto ou distópico permeado por novas tecnologias (robótica, digital, etc.). Essas animações também foram influenciadas pela ficção científica e pelo movimento conhecido como cyberpunk.
Para Adriana Amaral (2006), o cyberpunk é um subgênero literário da ficção científica estadunidense que surgiu na década de 1980, e que também foi importante para a construção de uma “estética cyberpunk” no cinema, influenciada pelo romantismo, pelas histórias de detetive e pelo gênero de horror. O subgênero é uma mistura entre cyber, que diz respeito ao mundo cibernético, e punk, atitude de crítica e contestação da autoridade ou de paradigmas.
No cyberpunk, muitas obras pertencentes ao subgênero apresentam questionamentos sobre os limites e impactos da emergência tecnológica na sociedade, e faz prognósticos críticos, e muito frequentemente pessimistas sobre o futuro. Dessa forma, o cyberpunk se tornou um meio de mostrar a modernização das sociedades de uma forma pessimista, obscura, desoladora e angustiante.
Mas ao contrário das obras estadunidenses, as obras japonesas nem sempre apresentaram uma construção audiovisual e narrativa fechada e pessimista. Tomando como exemplo Ghost In The Shell (1995), é possível perceber como o filme utiliza diversos elementos da estética cyberpunk, mas extrapola o tom decadentista, e vai além em sua reflexão sobre o futuro “distópico” de novas tecnologias. A obra parece colocar em evidência as possibilidades que estas podem oferecer, através da questão da variabilidade.
É certo que, como muitos autores já evidenciaram, há uma influência de um pensamento não-cartesiano, holista e influenciado pela ideia de impermanência durante a construção do pensamento japonês moderno, advindo do shintoísmo, do budismo, das suas artes visuais e da própria cultura popular. Tudo isso faz com que a construção dessas obras seja diferente da “ocidental”, marcada por uma perspectiva de mundo cartesiana, uma religião apocalíptica e principalmente pela ideia de decadência da sociedade. São, por isso, maneiras diferentes de se lidar com a modernização cada vez mais acelerada das sociedades.
Para este trabalho, no entanto, me concentro em como essa diferença pode ser percebida no audiovisual de animação japonês, e por isso a análise de sua forma (técnicas e composições) é fundamental, pois é justamente na incorporação da própria tecnologia da qual se fala na história que podemos ver mais nitidamente como esse pensamento se apresenta. Por exemplo, em Akira (1988), há uma narrativa de questões abertas, futuro incerto e ambíguo, assim como em Serial Experiments Lain (1998), que leva ao limite a ideia de experimentação de técnicas e visualidades, incorporando uma série de inovações na forma de se fazer animação, que em muito reflete as novidades tecnológicas que permeiam a história.
Dessa forma, meu intuito é refletir sobre as “vastas possibilidades”, no âmbito da construção de futuro “distópica” das animações japonesas dos anos 1980-90, e seu diálogo com um mundo em rápida modernização e incorporação de tecnologias.
Palavras-chave: cinema; tecnologias digitais; animação japonesa.
- Rupturas e continuidades na cultura material e a chegada do budismo ao Japão (Séculos VI e VII)
Larissa Redditt (mestranda em Arqueologia – Museu Nacional da UFRJ, mestranda em Japanese Humanities – University of Kyushu, coordenadora e pesquisadora do GHAJ-LHER)
A afirmação de que os túmulos kofun, que dão nome ao período entre 250 e 710 EC da história japonesa, deixaram de ser construídos por conta da chegada do budismo ao arquipélago já vem sendo descontinuada pelos arqueólogos mas últimas décadas, mas ainda é lugar-comum entre historiadores ao abordar o período, especialmente na escassa bibliografia que chega ao Brasil. Para ter um panorama mais claro do declínio desta prática que esteve no centro da política, cultura e religião da sociedade por tantos séculos, faz-se necessário olhar para fatores e desenvolvimentos internos tanto quanto externos (i.e. chegada do budismo). A presente comunicação buscará traçar este panorama a partir de uma abordagem focada na cultura material funerária, mapeando rupturas e continuidades no registro arqueológico das fases finais do período Kofun (séculos 6 e 7), de forma a demonstrar que o declínio dos monumentos funerários é parte de um processo de mudanças sociais que já vinham ocorrendo de longa data antes da chegada do budismo, tendo sido este apenas uma pequena parte do processo.
Palavras-chave: História do Japão; período Kofun; cultura material.
- Tajiki Kobayashi: expoente do Movimento Proletário no Japão Entreguerras
Ayumi Anraku (graduada em Letras Japonês – USP) & Ivan L. Lopes (graduado em Letras Japonês USP)
Takiji Kobayashi nasceu no interior da província de Akita, norte do Japão. Sua família tinha uma pequena propriedade, mas eles perderam as terras e, para tentar contornar as dificuldades financeiras, migraram para a província de Hokkaido. Assim, o autor cresceu como aqueles que ele posteriormente viria a tentar defender e instruir através de sua escrita. Expoente do movimento proletário japonês e membro do Partido Comunista, Takiji teve suas obras traduzidas para diversos idiomas, como inglês, alemão, russo, português e chinês.
A literatura proletária no Japão surgiu após a Primeira Guerra, tendo sido impulsionada pelos efeitos da guerra e pelas crises econômicas dos anos 20 e 30, e diretamente conectada ao surgimento e crescimento do Comunismo.
O Partido Comunista Japonês já estava na ilegalidade quando da filiação de Takiji devido à promulgação da Lei de Preservação da Paz de 1925, que justificou o início da perseguição policial, culminando na sua prisão, tortura e morte aos 29 anos de idade.
As obras do autor foram publicadas na Chuōkōron, revista literária na pela qual contos de escritores como Jun’ichirō Tanizaki e Ryūnosuke Akutagawa também eram publicados. Segundo Hori, há somente duas obras de literatura moderna do período pré-guerra que foram traduzidas e publicadas por editoras do exterior, sendo que uma delas é Kanikōsen.
Entretanto, críticos japoneses rejeitaram fortemente as ideologias estrangeiras que chegavam ao Japão naquela época, o que levou a uma recepção negativa das obras de Takiji por parte de autores contemporâneos a ele, como Shiga Naoya. Mesmo na atualidade, a ideologia que suas obras representam acabam por receber comentários parciais de seus críticos, tais como Donald Keene, renomado estudioso de literatura japonesa, que se refere à escrita de Takiji com desprezo, apoiando-se em argumentos tendenciosos.
Por outro lado, a recepção de suas obras pelo público foi positiva, e Kanikōsen é a única obra de literatura proletária que continua sendo reimpressa e lida até os dias de hoje, contando inclusive com uma nova adaptação cinematográfica (Japão, 2012) e uma adaptação em mangá (2006) com 160 mil exemplares vendidos em seis meses.
Diante da importância dessa obra no Japão no período entreguerras e sua repercussão atual, quando questões relacionadas às condições de trabalho são levantadas, em conjunto com o momento de extremismo socioeconômico do Brasil, pretendemos discutir o processo de tradução desta obra, focando nas questões socioculturais que servem de pano de fundo para a obra e a sua aplicação na transposição para o Português. Essa exposição será feita na forma de uma discussão entre os proponentes, que atuam como tradutores de obras dessa época, apresentando a relevância do autor no contexto do movimento proletário japonês, os demais movimentos sociais concomitantes e a relação entre eles, com o objetivo de expor e contrapor os pontos mais importantes encontrados.
Palavras-chave: Literatura japonesa moderna; literatura proletária; movimento proletário; Takiji Kobayashi; adaptações; tradução.
- Uma visão moderna da revolta de Shimabara-Amakusa: Cristianismo como estratégia
Liana Vasconcellos (graduanda em História – Estácio de Sá) & Alexandre Toman (Docente – CEFET/RJ)
A Revolta de Shimabara-Amakusa (1637-1638) foi o primeiro conflito em larga escala do sistema bakuhan. O Sistema bakuhan era definido pelo balanço político-social entre dois níveis de poder: o bakufu/xogunato controlado pelos Tokugawa, sede da autoridade governativa, e os daimiôs (guerreiros de províncias), que gozavam de grande autonomia no seio dos territórios que administravam. O imperador e a corte imperial foram sujeitos a instruções que regulamentavam seu cotidiano, e direitos anteriormente usufruídos foram tirados. A política centralizadora passou a controlar todas as esferas da sociedade nipônica.
Sabe-se que da segunda metade do século XVI até a primeira metade do século XVII, ocorreu uma oposição entre cristãos e não-cristãos nos territórios onde o Cristianismo tinha se desenvolvido. Era pois interesse do bakufu suprimir essa rivalidade religiosa entre o povo antes que uma guerra civil eclodisse.
Começou no Castelo de Tomioka, uma fortaleza construída perto de Shiki, se estendeu para a ilha de Hondo e então atravessou o mar em direção a península de Shimabara, na Ilha de Kyushu. Tratou se simplesmente de mais uma revolta da classe camponesa, oprimida por altas taxas de impostos? Ou o despotismo senhorial de Matsukura Katsuie (Lorde de Shimabara) e Terazawa Katataka (Lorde de Amakusa) era a principal causa? O grupo de cristãos perseguidos pelo regime do Bakufu teve participação relevante?
A visão moderna dos historiadores é a de que o Cristianismo tenha sido usado como uma estratégia tanto pelos rebeldes como pelo próprio general Matsudaira Nobutsuna, líder da força xogunal designado para combater os revoltosos. Para as autoridades do bakufu o levante foi considerado uma revolta cristã do princípio até o seu final. Mas Nobutsuna sabia bem que durante o desenvolvimento da revolta muitas pessoas foram forçadas a se converterem ao Cristianismo e a se juntarem às forças combatentes.
Se o bakufu fizesse um ataque total ao Castelo de Hara, que foi tomado pelos revoltosos, pessoas inocentes iriam morrer pelas mãos do regime, o que era totalmente contra os princípios dos Tokugawa. A posição oficial era a proteção misericordiosa aos camponeses. Para Nobutsuna seria mais conveniente de que a revolta tivesse o caráter unicamente cristão para que o bakufu não ferisse seus princípios.
Embora o uso do Cristianismo fosse uma estratégia central, o fato é de que entre os rebeldes havia muitos cristãos, assim o Cristianismo, como estratégia, foi uma escolha lógica.
O propósito deste trabalho é apresentar o Cristianismo como estratégia da Revolta e como uma espada de dois gumes; uma ideologia poderosa que poderia servir aos interesses de ambas as partes envolvidas.
O principal referencial foi a tese de Nadja Kreeft Universidade de Leiden, escrita em 2011; Deus Resurrected a fresh look at Christianity in the Shimabara–Amakusa Rebellion of 1637.
Palavras-chave: revolta; cristianismo; Bakufu.
- Um Corpo de Sol e Aço: Analisando discursivamente a relação entre memória nacional japonesa, crise social e o corpo em Yukio Mishima
Yasmim Pereira Yonekura (doutoranda em Letras Inglês – UFSC)
Partindo da perspectiva teórica da análise do discurso crítica, conforme proposto por Fairclough na obra Critical Discourse Analysis: The Critical Study of Language (1995), essa pesquisa visa analisar como o ensaio poético de Yukio Mishima, Sol e Aço (1968, 2003), articula discursivamente a relação entre memória nacional do Japão, a crise e mudança social após a Segunda Guerra Mundial e a ideia de corpo construída pelo autor. Mishima tem uma obra única na literatura moderna japonesa, onde articula uma idealização do passado nacional e os medos e anseios relativos aos dilemas sociais que o país passou após o ataque a bomba atômica. Apesar de sua narração memorialista venerar a tradição, Mishima era a personificação de várias contradições, como um homem gay numa sociedade tradicionalmente patriarcal e com profundo conhecimento da literatura ocidental, adotando um niilismo quase extremo. Assim como sua obra, a vida de Mishima foi a personificação dessa contradição: viveu buscando exaltar um padrão corporal rígido que era também amplamente venerado nos nichos de práticas homoeróticas da Tóquio do pós-guerra; lia Nietzsche e acreditava num niilismo quase irrefreável, mas usou do Hagakure, texto do século XVIII escrito pelo samurai-sacerdote Jōchō Yamamoto, para cometer o suicídio seppuku nos subúrbios de Tóquio em 1970. Partindo das contradições que o autor traz em sua vida obra, seleciono o texto Sol e Aço para investigar o lugar do corpo e a relação traçada entre a memória nacional e a ruptura social. Mishima seguia uma rígida rotina de treinos e o ensaio foi escrito com o objetivo de contextualizar o culto a forma como uma maneira de restaurar o corpo doente da infância e recuperar a memória nacional, sendo o corpo saudável de Mishima um epítome para a sua nação. Para além do culto à forma, vê-se na narrativa de Mishima uma rememoração da infância e da guerra, que ele relaciona com o seu próprio corpo doente durante os primeiros anos de sua vida. Assim, usando dos recursos da análise do discurso crítica e do contexto histórico vivido pelo autor, essa pesquisa irá investigar e apresentar mais elementos da relação entre corpo e nação, no que tange a rupturas, crises e ideais individuais e coletivos.
Palavras-chave: Corpo; Nação; Identidade Nacional; Análise do Discurso; Mishima.
Minicursos:
- As Imagens Fotográficas do Pós-Guerra Japonês de 1950 a 1972: do realismo de Ken Domon ao “Adeus, Fotografia” de Daido Moriyama
Lucas Gibson (mestrando em Artes Visuais – UFRJ)
O presente minicurso tem como objetivo trazer um breve panorama sobre as imagens fotográficas produzidas no Japão no período do pós-guerra, analisando as mudanças de estilo na produção de imagens a partir de 1950, com foco especial nos fotógrafos Ken Domon, idealizador do realismo fotográfico, e Daido Moriyama, até a publicação de seu livro “Shashin yo Sayonara” (Adeus, Fotografia) em 1972. A fotografia produzida no Japão a partir de 1950 se concentrou primordialmente na documentação dos efeitos da Segunda Guerra Mundial para a sociedade japonesa. Os fotógrafos da época se dedicaram a registrar áreas urbanas destruídas, a derrota do povo japonês e a ocupação do território por uma potência estrangeira. O movimento do “realismo fotográfico” do pós-guerra foi encabeçado pelo fotógrafo Ken Domon em 1950, permanecendo um estilo popular durante as décadas de 1960 e 1970, ainda que carregasse alterações de estilo.
E nquanto Domon buscava estabelecer um legado da evidência em imagens que permitiriam uma extração mais objetiva da realidade, fotógrafos como Shomei Tomatsu e Miyako Ishiuchi e coletivos como o VIVO, atuantes a partir de 1954, buscaram um realismo mais subjetivo, caracterizado por uma presença mais intensa de possibilidades interpretativas, produzindo imagens que iriam além do simples enaltecimento ou condenação dos assuntos fotografados.
O estilo do fotógrafo Daido Moriyama (1938- ), por sua vez, se caracterizou por inovações experimentais que se distanciavam da estética do realismo fotográfico de Ken Domon e por outros fotógrafos do pós-guerra, embora grande parte de sua formação tenha advindo do contato com dois de seus mentores, Shomei Tomatsu e Eikoh Hosoe, que representavam uma forma mais subjetiva de captação da realidade. Grande parte de seus experimentos inventivos derivaram da participação na lendária revista Provoke, publicada entre 1968 e 1969, caracterizando uma publicação que buscava romper com os padrões tradicionais do realismo fotográfico. Para Moriyama, a fotografia não deveria buscar a representação de um contexto coerente, mas sim existir por si mesma. O desenvolvimento de um estilo próprio a partir de diversas influências o permitiu perceber a realidade de maneira muito particular, o que o levou a adotar abordagens que integrassem mais a realidade viva e suas diversas camadas.
O término deste minicurso culmina com a análise da publicação “Shashin yo Sayonara”, (Adeus, Fotografia) de Moriyama em 1972, livro que marcou o ápice de seus experimentos fotográficos provocativos. Comumente lembrado como um livro de imagens pouco nítidas, marcadas pela falta de foco, pelo grão intenso, o contraste elevado e os borrões, “Adeus, Fotografia” é uma publicação que também intensificava o debate sobre autoria imagética, por conter imagens apropriadas e que desafiavam a noção de originalidade. Em “Adeus, Fotografia”, o trabalho de Moriyama alcança enfim a condição de incompreensibilidade, exatamente o que o fotógrafo almejava desde o início de sua produção fotográfica.
Palavras-chave: Fotografia; Realismo; Pós-guerra; Ken Domon; Daido Moriyama; Adeus, Fotografia.
- Nūberu bāgu, da crise do cinema nacional às feridas históricas: representações artísticas de uma sociedade pós-guerra
Vinicius Akiyoshi Aizono (bacharel em História – FFLCH-USP; graduando em licenciatura – USP)
O recorte temporal do cinema novo japonês se inicia no final da década de 50 e perdura até metade da década de 70. Assim como outros movimentos que ocorreram ao redor do mundo em períodos semelhantes como o Cinema Novo brasileiro e a Nouvelle Vague francesa (posteriormente serviu de referência para denominar o movimento japonês), todos procuravam revolucionar não apenas a forma de fazer cinema mas alterar sua estrutura interna, e não vai ser diferente no Japão.
No entanto, as peculiaridades da Nūberu bāgu se dá logo dentro do estúdio. Até então, a estrutura hierárquica interna de um estúdio de cinema era rígida, no qual qualquer aspirante a produtor ou diretor iniciava sua carreira como assistente geral e dedicava anos ou até décadas de carreira ao estúdio na esperança de alcançar o cargo desejado. Até a década de 50, a indústria cinematográfica japonesa vivia sua “era de ouro” com os famosos Jidaigeki (dramas históricos) com nomes proeminentes como Akira Kurosawa que já alcançava os críticos internacionais.
Porém, diferente da base criativa francesa que era composta em grande parte por intelectuais, críticos e cinéfilos, inicialmente os jovens japoneses procuravam apenas procurar ingressar no mercado de trabalho num período de crise econômica e tensão política, essa mesma tensão acumulada vai despertar a vontade de se expressar por meio das câmeras. Estes que ora foram assistentes da “era de ouro” com seu baixo orçamento mas com técnicas inovadoras que quebravam com as técnicas tradicionais, agora tem a oportunidade de criar, na medida que as grandes companhias como Shochiku e Nikkatsu reveem suas políticas e pensam no futuro da tendência cultural que acompanha seu tempo histórico.
Com base nos seguintes filmes e uma análise histórica da crise, a Nūberu bāgu conta com uma gama de diretores que ao longo dos anos tocam nas feridas do Japão pós-guerra. Um dos diretores que mais se destacam no movimento é Nagisa Ōshima com sua longa Noite e Neblina no Japão (日本の夜と霧) que faz uma crítica aos movimentos estudantis da esquerda que atuaram em protestos históricos como a oposição ao Tratado de Cooperação entre Japão e Estados Unidos e a expansão imperialista americana pelo leste asiático.
Seguindo este fio, o diretor Shōhei Imamura trabalha em Todos Porcos (豚と軍艦) com a relação exploratória e as consequências das bases militares americanas instaladas no Japão, criando um ambiente que abre portas para criminalidade, prostituição e a expõe a problematica pobreza que o governo insistia em omitir. Por fim, uma das expressões máximas de uma juventude que cresceu em meio ao caos da reconstrução do país, uma série de crises sociais, econômicas e políticas, o diretor Shūji Terayama dirige a longa Joguem Fora Seus Livros e Saiam às Ruas (書を捨てよ町へ出よう), uma obra experimental de rebeldia que se explica por um roteiro anárquico e sem linearidade. É importante ressaltar que cada longa que será discutido tem estilos característicos de cada diretor, permitindo uma análise do campo artístico sem perder o foco histórico sobre a crise pós-guerra.
Palavras-Chave: Cinema Novo Japonês; Militância Estudantil Japonesa; Japão pós-guerra; Crise cultural.