VI Colóquio NEJAP de Estudos Japoneses – A Espada e a Pena: Guerra e Cultura Marcial no Japão – Inscrições e Programação

12/01/2022 16:38

INSCRIÇÕES

Impossibilitados de realizar nosso evento anual em 2021, anunciamos com grande prazer que estão abertas as inscrições para o VI Colóquio NEJAP de Estudos Japoneses, evento a ocorrer entre 24/01 e 25/02. Intitulado “A Espada e a Pena: Guerra e Cultura Marcial no Japão”, o presente evento abordará temas que vão da pré-história do Japão até a Guerra Sino-Japonesa, passando pelos samurais, e pelas representações e reinterpretações destes, assim como tocando em temas como crimes de guerra, o horror atômico de Hiroshima e Nagasaki, escatologia budista, e uma série de outros assuntos. Como tradição dos últimos Colóquios, as propostas também trazem forte teor interdisciplinar, dialogando com literatura, cinema, fotografia, e formas tradicionais de arte.
Do mesmo modo que no ano passado, as Comunicações e o Minicurso deste ano serão veiculados via playlist restrita no YouTube, condicionada à realização de inscrição prévia. Desta forma, as Comunicações e o Minicurso serão assíncronos, podendo ser vistos em todo o período que vigorar o evento. Fora isso, teremos duas sessões de Live, uma de Abertura e uma de Encerramento, a primeira com o Professor Thomas Conlan, da Princeton University, e a segunda com o Professor Karl Friday, aposentado pela University of Georgia.
Estes dois ilustres convidados são as maiores autoridades em história dos samurais em línguas ocidentais. Thomas Conlan é autor das obras In Little Need of Divine Intervention: Takezaki Suenaga’s Scrolls of the Mongol Invasions of Japan, State of War: The Violent Order of Fourteenth-Century Japan e From Sovereign to Symbol: An Age of Ritual Determinism in Fourteenth Century Japan. Karl Friday é autor das obras Hired Swords: The Rise of Private Warrior Power in Early Japan, The First Samurai: The Life and Legend of the Warrior Rebel, Taira Masakado, e Samurai, Warfare and the State in Early Medieval Japan. Mais detalhes sobre as Lives encontram-se abaixo.
O evento será totalmente gratuito, conferindo certificado de 20 horas para os que cumprirem os requisitos mínimos (75% de presença/participação nas atividades), e as inscrições podem ser feitas entre os dias 12/01 a 31/01 clicando aqui.

PROGRAMAÇÃO


Abaixo, apresentamos a programação completa. Postaremos os resumos com bibliografia nos próximos dias em formato PDF.

Abertura e encerramento (ao vivo):

  • Live de Abertura: Studying Samurai on the Web: Disseminating Digital Sources for Medieval Japan [em inglês] – 24/01, 19:00 – 21:00h
    THOMAS CONLAN
    Professor of East Asian Studies and History – Princeton University

Thomas Conlan will introduce a number of websites which reproduce visual and written sources of medieval Japan, and will explain the process of their creation and how they can be used to better understand the samurai of Japan. His analysis will start with the scrolls of the Mongol Invasions of Japan, and continue to through accounts of guns and gunpowder in sixteenth-century Japan.

  • Live de Encerramento: Bushidō” & What Bushi Did [em inglês] – 25/02, 18:00 – 20:00h
    KARL FRIDAY
    Professor Emeritus – University of Saitama, Professor Emeritus – University of Georgia

The samurai is an entertaining, romantic figure and for many in and out of Japan, a fundamental representative, a symbol, of Japanese national character. And yet the majority of what samurai aficionados—and a great many scholars as well—believe about samurai culture derives from a consciously-fashioned mythology that bear scant resemblance to historical reality. Indeed, to describe samurai culture in historical reality, we must first ask “which samurai historical reality?”
For while modern commentators have too often attempted to treat “bushidō” (literally, “the way of the warrior”) as an enduring code of behavior readily encapsulated in simplistic notions of honor, duty, and loyalty, the historical reality is far from simple. Warrior values and behavior varied significantly from era to era—most especially across the transition from the medieval to the early modern age—and in most cases bore scant resemblance to twentieth-century fantasies about samurai comportment. This lecture will examine the evolution of the warrior ethos in Japan, with special attention to the key constructs of honor and loyalty.

Nota sobre as Lives: as Lives de Abertura e Encerramento serão em inglês, sem tradução, mas serão posteriormente legendadas para português. Caso necessário, perguntas poderão ser enviadas em português, e os organizadores as traduzirão para o inglês durante a transmissão, mas não podemos garantir a tradução das respostas, pois elas podem acabar se estendendo. Neste caso, aguardem até a legenda dos vídeos sair.
Para assinar o formulário de presença das lives, é necessário comparecer durante a transmissão e preencher a chamada quando o link for disponibilizado.

Comunicações:

  • O Humano e o Divino: Representações Fotográficas do Imperador Shōwa de Setembro e Dezembro de 1945
    Lucas Gibson
    Mestre em Artes Visuais – UFRJ

Em setembro de 1945, no mês seguinte após a rendição do Japão na Segunda Guerra Mundial, o imperador Shōwa foi fotografado ao lado do general Douglas MacArthur pelo fotógrafo Gaetano Faillace, gerando uma das imagens mais icônicas e polêmicas do contexto imediato do pós-guerra. Na imagem, vê-se o imperador como um humano de baixa estatura, que teve sua divindade negada ao fim da guerra, com trajes formais e postura rígida, contrastando com um general de postura relaxada, posicionado à direita de Hirohito, muito mais alto e com trajes menos formais. A imagem, veiculada massivamente em jornais pouco tempo depois de ser criada, trazia uma simbologia poderosa em seu discurso, sugerindo fortemente como seriam traçadas as relações entre Japão e Estados Unidos nos anos subsequentes. Em dezembro de 1945, os fotógrafos Shōgyoku Yamahata e seu filho Yōsuke Yamahata fotografaram o Imperador Shōwa e sua família a partir de uma solicitação da revista Life. As imagens, publicadas em 4 de fevereiro de 1946 sob o título de Sunday at Hirohito’s (em tradução livre, “Domingo na Casa de Hirohito”), mostram um “lado humano” do imperador, apresentando-o como um pai de família, um biólogo e um homem simples, capaz de nutrir amor por sua família e por seu povo. A sessão de fotos gerou o fotolivro Tenno (Imperador), publicado em 1946. Este conjunto de imagens partiu de uma iniciativa do governo estadunidense de consolidar o discurso de negação de divindade do imperador, que se viu forçado a fazer isto no cenário imediato do pós-guerra. O objetivo inicial deste trabalho é tecer comparações entre a icônica imagem de Hirohito com Douglas MacArthur de setembro de 1945 e a sessão de fotos realizada do imperador com sua família três meses depois. A partir disto, busca-se demonstrar como as mudanças na forma de registro do imperador Shōwa contribuíram para a formação de imaginários distintos em um intervalo curto de tempo do pós-guerra, apontando como a subjetividade do discurso fotográfico pode permitir uma apreensão particular da realidade à luz do contexto que se apresenta.

  • Guerra, raça e responsabilidade: Análises iniciais de Shingeki no Kyojin
    Lucas Marques Vilhena Motta
    Doutorando em História – UFPel

A Guerra do Pacífico (1931-1945) é um marco na História japonesa e que, até a atualidade, influencia na política interna e externa do país. Recentemente, pode-se observar um avanço de uma interpretação conservadora/nacionalista do conflito, a qual silencia os diversos crimes cometidos pelo Japão e, por conseguinte, exime a nação de culpabilidade. Entretanto, esse discurso gera atritos com países vizinhos ao Japão, visto que eles foram vítimas das atrocidades perpetradas pelo império nipônico. Hashimoto (2015) observa que a memória/imaginário da Guerra do Pacífico “enraizou-se” na sociedade japonesa e influencia tanto sua identidade quanto suas produções (midiáticas). A partir destas proposições, analisaremos o mangá Shingeki no Kyojin (Attack on Titan, no Ocidente) de Hajime Isayama, o qual alcançou projeção e popularidade global, no intuito de compreender como a narrativa da obra (re)imagina a Guerra do Pacífico e de que forma ela se posiciona quanto a esta memória. Esta proposta é embasada pelas discussões apresentadas por Morris-Suzuki (2005), a qual propõe que obras midiáticas são relevantes formas de consumo de “visões históricas” e que, podem auxiliar na construção de imaginações históricas, de seus consumidores. Além de Morris-Suzuki, o livro The Representation of Japanese Politics in Manga (2021), organizado por Rosenbaum, aponta o mangá como um meio de grande circulação de discursos políticos, tornando sua análise imprescindível na compreensão das disputas de memória dentro da sociedade japonesa.

  • Sayonara Ásia?:  As guerras Sino- Japonesa (1894-95) e  Russo-Japonesa (1904-05) em imagens
    Rogério Akiti Dezem
    Professor do Depto. Estudos Luso-Brasileiros – Universidade de Osaka

Nesta comunicação gostaria de analisar algumas imagens da iconografia produzida no Japão representando dois conflitos importantes da História contemporânea: as guerras Sino-Japonesa (1894-95) e Russo-japonesa (1904-1905). Esses choques entre o Japão que se modernizava e as nações próximas fazem parte do que denomino “ciclo das três guerras” (Guerra Sino-Japonesa 1894-95; Guerra Russo-Japonesa 1904-05 e Guerra dos 15 anos 1931-1945). Conflitos que estão inseridos historicamente em um momento de consolidação de uma identidade japonesa associada ao nacionalismo (jap. kokutai). E que a partir das vitórias do país do sol nascente, acabaram por criar condições (imagéticas e ideológicas) para reforçar um sentimento militarista e pavimentar o caminho para consolidação dos militares no poder duas décadas depois.
Os anos de 1895-1905 são o momento de ajuste de foco da maneira como o governo japonês passou a usar os instrumentos da modernidade (tecnologia industrial e militar) de matriz europeia como práxis para se afirmar perante ao “outro” asiático (China) e europeu (Rússia), subvertendo a hierarquia geopolítica no Extremo Oriente e abrindo caminho para uma política de anexações na Ásia sobre o pretexto de “proteger” os asiáticos do imperialismo europeu.
A guerra Sino-Japonesa, nas palavras do intelectual japonês Yukichi Fukuzawa (1834-1901) na época, seria “uma guerra entre a civilização (Japão) e a barbárie (China)” ou nas palavras de um diplomata alemão “uma guerra entre amarelos no fim do mundo” , diferentes perspectivas sobre um mesmo acontecimento que deu início efetivo ao turning-point japonês aos olhos do mundo no alvorecer do século 20.
O conflito entre o “gigante russo” e o “diminuto Japão”, apesar da sua grande importância histórica – considerado como o primeiro conflito moderno – até recentemente (2000) havia sido pouco estudado sob perspectivas que não fossem militares em pesquisas acadêmicas em língua não-japonesa. Esse “desinteresse” também pode ser explicado de forma simplista a partir da afirmação de que as guerras posteriores acabaram por eclipsar o conflito entre o “sol e o orvalho”(jap. nichiro sensō) segundo o historiador israelense Rotem Kowner.
Meu objetivo nesta comunicação é fazer uma breve introdução dos dois conflitos e examiná-los sob a perspectiva do ideal de “deixar a Ásia para trás” (jap. datsu a ron) título de um editorial anônimo (provavelmente escrito por Yukichi Fukuzawa) publicado no jornal Jiji Shimpō em 16 de março 1885. Na época em que foi publicado, o editorial passou desapercebido ao debate público, vindo a se tornar uma referência nos debates historiográficos no período posterior a derrota japonesa na Guerra dos 15 anos (1931-1945).
A partir desse contexto pretendo discutir como as populares xilogravuras/litogravuras (jap. nishiki e) e o nascente fotojornalismo construíram um imaginário heroico, eufórico e militarista cativando principalmente as crianças e os jovens ao apresentar um “novo Japão” em ascensão e desviando o olhar do público para os problemas sociais advindos do alto custo dessas aventuras no exterior. Serão analisadas algumas imagens produzidas por renomados artistas do período como Kobayashi Kiyoshika (1847-1915) e Utagawa Kokunimasa (1874-1944).

  • Guerreiros da Última Era: de arautos do fim à protetores do trono
    Nikita Chrysan da Silva Pires
    Mestranda em História Social – UFF

Esta comunicação é fruto de um recorte da minha atual pesquisa de mestrado que busca analisar o Gukanshō, crônica do século XIII escrita pelo monge Jien visando convencer o insei Go-Toba a não atacar o bakufu de Kamakura após o assassinato do shōgun Minamoto no Sanetomo, e da adoção de Kujō Yoritsune como seu sucessor. Para tal Jien se utilizará da narrativa histórica como estratégia, criando um trabalho interpretativo dos eventos do processo histórico japonês, desde o lendário tennō Jimmu até o tumultuado contexto político de 1219, ano em que escreve sua crônica.
O Gukanshō se diferencia de outras crônicas históricas do período por ter ampla base religiosa, na qual seu autor desenvolve uma curiosa chave interpretativa que contava os eventos históricos de acordo com desígnios divinos chamados de Princípios, onde Amaterasu, entidade protetora do Japão e do clã imperial, juntamente de Buda, acordariam sobre as melhores formas de manter o trono e o Estado durante suas últimas eras de acordo com a doutrina do mappō.
Acredita-se que Jien, ciente das disputas políticas de seu tempo e das oportunidades que a nomeação de Yoritsune como shōgun traria ao clã Kujō, do qual ele mesmo era parte, tenha escrito o Gukanshō como forma de legitimar poderes tanto tradicionais quanto ascendentes, colocando-os como manifestações dos Princípios divinos resultantes de acordos entre Kami e Buda. Neste sentido, a classe guerreira que tanto ameaçaria a aristocracia de Heian, seria na verdade legitimada como protetora dos interesses do trono e do Estado, se unindo à corte na pessoa do jovem shōgun Yoritsune. O objetivo é, portanto, identificar na fonte eventos e argumentos do qual o monge se utiliza para convencer o leitor de suas ideias.
Para o desenvolvimento da pesquisa foi utilizada a tradução do Gukanshō de Brown e Ishida (1979), além da análise de ambos sobre a estrutura do pensamento de Jien (ISHIDA, 1979) e da relação da história de sua família com os motivos que o levam a escrever a crônica (BROWN, 1979). Já para compreensão do contexto histórico serão utilizados dois capítulos da coleção The Cambridge History of Japan, escritos por William McCullough e Rizo Takeuchi sobre a corte de Heian e a ascensão guerreira, além do texto de Karl Friday (2010) sobre a evolução dos guerreiros junto à corte imperial. Por fim, considerando-se que a visão de Jien sobre o papel guerreiro se relaciona também com as três Regalia japonesas, conta-se com a análise de Bernard Faure (2004) sobre o papel de relíquias budistas no governo do Japão.

  • A Criação do Conceito Moderno de Bushidō a partir de Inazō Nitobe
    Alexandre Toman
    Professor de Matemática – CEFET/RJ, Graduando em História – UNIRIO
    Liana Vasconcellos
    Graduanda em História – Universidade Estácio de Sá

O objetivo do trabalho é apresentar o livro denominado Bushido, The Soul of Japan (1899) – famosa obra de Inazō Nitobe – com um viés menos usual, ou seja, o de uma tradição inventada. Existiram outros termos que se referiam à palavra bushidō anteriores ao que Nitobe prescreve. Contudo, o compilado que o autor escreve e sistematiza, contém o que pode ser denominado de Tradições Inventadas (HOBSBAWN; RANGER, 2008), já que Nitobe incorpora elementos próprios da religião cristã – especialmente o da vertente protestante dos Quakeres, da qual tomou termos como “fidelidade” e referências morais sobre o que é ser uma pessoa boa ou uma pessoa má (NUNES(1), 2010). Nitobe estudou nos Estados Unidos e absorveu muitos conceitos ocidentais para a utilização em sua obra, e o uso de uma vertente de religião cristã era algo minimamente esperado de acontecer. Além dessa influência religiosa, Nitobe também recebeu influência de obras como as de Carlyle e de Burke, onde o primeiro gerou resultados relativos à conceitos sobre nação, em especial sobre recursos relativos à extensão da materialidade – espiritualidade de uma nação (NUNES, 2010(1)). Já Burke influenciou Nitobe com uma visão que beira a ingenuidade de ”exaltação a uma determinada classe, que no caso da Inglaterra são os cavaleiros aristocráticos e no Japão os samurais” (NUNES, 2010(1)). Tal obra, como uma tradição inventada, foi usada para propósitos bem definidos, tal como mostrar às potências exteriores da época o fato de que o Japão se encaixava em um conceito de Estado Moderno nos moldes de tais potências econômicas, e, assim, não deveria ser submetido à neocolonização. Com o bushidō e com uma linguagem que fosse familiar aos ocidentais – para que os mesmos não caíssem no erro do orientalismo, considerando os japoneses menos civilizados e, por consequência, impusessem seus interesses no país segundo seus parâmetros de quem deveria e quem não deveria sofrer intervenções – o livro serviu como um “Instrumento de divulgação da cultura japonesa no Ocidente” (NUNES, 2010(2)). Então, com a Revolução Meiji, o Estado Japonês aboliu a descentralização de terras e passou a considerar que todo cidadão japonês tinha espírito de samurai e que todos, portanto, deveriam servir ao Império, e não aos daimyō, tal como os samurais propriamente ditos o faziam, em um sistema similar ao feudal europeu (PATTERSON, 2010).
Tal tradição inventada por Nitobe poupou o Japão de diversos problemas com as nações ocidentais, além de ter criado características de como o Estado Moderno japonês deveria ser apresentado e ser pensado por seus cidadãos – todos eram “herdeiros da ética dos samurais” (NUNES, 2012). Apesar disso, o bushidō acabou sendo utilizado para fomentar um nacionalismo exacerbado em seus cidadãos e, segundo PATTERSON (2010), as artes marciais modernas tiveram uma parcela de responsabilidade nesse processo – embora seus “pais modernos”, tal como Jigorō Kanō e Gichin Funakoshi não tivessem esse propósito extremamente belicoso e que culminou em extermínios durante a Segunda Guerra, ao expandirem e ao ensinarem suas artes.

  • Ōyoroi: o papel das armas nas artes da paz
    Keiko Nishie
    Mestre em Língua, Literatura e Cultura Japonesa – USP

Esta comunicação corresponde a um recorte de nossa pesquisa de mestrado sobre a arte kōgei 工芸 no contexto da reabertura do Japão para as relações internacionais na segunda metade do século XIX. Um dos primeiros artefatos que nos chamaram à atenção foi uma bela armadura em estilo ōyoroi 大鎧, pertencente ao acervo do Victoria & Albert Museum na Inglaterra. O objeto foi doado à instituição pela própria rainha Victoria, que por sua vez o recebera como um presente diplomático do shōgun Tokugawa Iemochi após a assinatura do Tratado de Edo (1859). Este documento trazia cláusulas muito desfavoráveis ao Japão, e as negociações ocorreram em meio a uma atmosfera de hostilidades. Dessa forma, o gesto de ofertar à monarca inglesa uma indumentária de guerra nos parecia conter uma mensagem ambígua: a afirmação de uma alta cultura no Japão, atestada pela sofisticação técnica do conjunto, e a existência de uma tradição bélica, que tornava o presente estranhamente ameaçador.
De fato, a animosidade do xogum era justificada, pois o fracasso em resistir às exigências dos estrangeiros culminaria na desmoralização final do xogunato nos anos seguintes. Entretanto, a ficha catalográfica da obra nos dava pistas de que os trajes de batalha tinham significados mais profundos na cultura da Era Edo (1603-1868), um período de relativa paz. O exemplar havia sido montado exclusivamente para a ocasião e, assim como outras armaduras da época, tinha uma função meramente cerimonial. Além disso, o estilo ōyoroi era uma referência ao período Kamakura (1185-1333), considerado o auge da cultura guerreira, mas as versões recentes apresentavam adaptações que as tornavam mais leves e pouco efetivas como proteção. Essas informações nos levaram a tentar compreender a permanência dos artefatos de guerra durante os tempos de paz.
A ascensão do clã Tokugawa ao xogunato em 1603 foi a conclusão de um processo de pacificação do país que estivera em conflitos generalizados desde o século XV. O título correspondia a um poder paralelo ao da Casa Imperial, baseado na hegemonia bélica e não em uma origem divina. Por esse motivo, durante a Era Edo, a classe guerreira desenvolveu um desejo por outro tipo de legitimidade, não mais ligado à força, mas à civilidade e à cultura. A capacidade de defender os territórios e o Japão em geral foi dando lugar às habilidades administrativas e diplomáticas, mas sem perder de vista a origem militar. Muitos artefatos representativos dos costumes e atividades dos samurais, tais como as espadas e as armaduras, deixaram de ter uma função na guerra, e passaram a ser objetos portadores de valores estéticos. Os conflitos armados foram substituídos pela competição social através da ostentação desses refinamentos e das trocas de presentes entre os daimios ou “senhores feudais”. Assim, a coleção e a apreciação das armas tornou-se uma atividade cultural, paradoxalmente possibilitada pela consolidação da paz.

  • Takashi Morita conta Hiroshima: notas sobre o testemunho hibakusha no Brasil
    Mateus Martins do Nascimento
    Mestre em História Social – UFF, pesquisador do CEA-UFF

Em se tratando de memórias de guerra e sua função sócio-histórica, a historiografia especializada em literatura de testemunho compilou um conjunto significativo de conclusões, tendo como base “turning authors” da história ocidental recente. Por exemplo, poderíamos citar Primo Levi, ecoado pelo filósofo Giorgio Agamben nos textos que compõem a coleção Homo Sacer (2008), ou os recentes avanços da história do tempo presente, balizados por Henry Rousso e outros teóricos preocupados com o papel da memória nas políticas públicas de reparação. Só neste breve levantamento, surpreende-nos a ausência de “vozes” asiáticas que deem conta das igualmente tensas conjunturas desse continente no contexto do mesmo século XX. Onde estão aqueles que falam desde a Ásia sobre os principais eventos ocorridos/sofridos ali? Quais seriam as suas contribuições para o debate sobre testemunho, reparação e legado? Há chances de repensarmos a história da Ásia a partir de suas trajetórias? Tendo essas questões em mente, nossa comunicação abordará o interessante caso dos hibakushas no Brasil, sobretudo, os sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki que vivem em São Paulo. Passaremos em revista pela trajetória do projeto Sobreviventes pela Paz, liderado pelo Sr. Takashi Morita, cuja história orientou a formação do espetáculo itinerante chamado Sobreviventes de Hiroshima. O Sr Morita (96 anos) parece estar no auge de sua missão, pois fala sobre os horrores vividos no bombardeio de Hiroshima em 6 de agosto de 1945, como se ainda estivesse lá. O mais correto seria dizer: ele quer nos fazer estar naqueles instantes que precedem a explosão e nos amparar no passeio pelo que seria a região japonesa, soterrada entre escombros. No limite, ele nos torna observadores participantes de sua narração. Desta forma, seu depoimento serve-nos como base para a crítica mais ampla das imagens canônicas que nos apresentam o Japão (Kuniyoshi, 1991) e a história da segunda grande guerra naquele país (Igarashi, 2011). Ao mesmo tempo, parece-nos possível pensar “o sobrevivente Takashi Morita” portando uma performance, foco de nossa análise, na reconstituição dos usos nipo-brasileiro desse trauma de guerra — ou, do após guerra.

  • Os Samurais Imaginados: A Imagem Canônica do Samurai através da Mídia
    Douglas Magalhães Almeida
    Especialista em História Militar – Unirio, coordenador e pesquisador do GEHJA-CEIA/UFF

Uma das principais indagações que nos surge ao ver um filme histórico de samurais Chambara é o que dali podemos concluir como “real” ou “imaginado”. É nesse contexto que essa investigação busca questionar os elementos constituintes da imagem do guerreiro japonês nos dias atuais, compreendendo os múltiplos canais político-culturais-sociais pelos quais fora reinventada sua tradição no imaginário popular.
É perceptível que encontramos obras famosas em que o termo samurai e rōnin se misturam, seja em animes, mangás ou mesmo filmes de época. E cabe compreender até que ponto a divulgação midiática, que preza primeiramente pelo entretenimento, foi capaz de formar o pensamento ou mesmo os estudos acerca desse assunto. Na compreensão da fala de Stephen Turnbull (2018), de que o conceito do samurai e ninja indicam que suas tradições foram sujeitas a um exagero considerável e comercialização através dos anos, capazes de se tornarem mitologias contemporâneas, entra em sintonia com os estudos de Oleg Benesch (2014) sobre como o nacionalismo, internacionalismo e a modernidade compuseram uma nova invenção do bushidō que definiria quem são esses combatentes.
Por meio desses estudos, e analisando fontes primárias como o Mōkō Shūrai Ekotoba, os rolos ilustrados emakimono sobre as invasões mongóis ao Japão do século XIII, ou o Taiheiki, a Crônica da Grande Paz referente aos eventos bélicos do século XIV, encontramos uma difusão entre o samurai histórico que viveu no passado do arquipélago nipônico e o samurai midiático, que vive na memória de seu povo e no imaginário mundial a partir de mitos aprofundados por uma característica de modernidade enquanto apresentados por mídias diversas que colaboram na reinvenção dessa mitologia que cerca os guerreiros feudais japoneses.
O presente trabalho tem como finalidade promover, portanto, o debate acerca de que elementos se estabelece as características dos samurais como os conhecemos pelo imaginário do século XXI, os referenciando canonicamente como figuras de virtudes exemplares e ligados às características tradicionais reinventadas conforme os discursos ligados à concepção das identidades japonesas modernas.

  • Eros e Morte: a linguagem do corpo no curta “Yūkoku” de Yukio Mishima
    Helena Ariano
    Mestranda em História da Arte – Unifesp (Campus Guarulhos)

O trabalho que proponho apresentar consiste na minha pesquisa de mestrado em andamento, cujo título é Eros e Morte – a linguagem do corpo no curta Yūkoku de Yukio Mishima. Nessa pesquisa, realizo uma análise do curta Yūkoku – Ritos de Amor e Morte, de 1965, roteirizado, produzido, dirigido e atuado pelo importante e polêmico escritor Yukio Mishima. O objetivo geral de minha análise é compreender de que formas o corpo, em todas as suas complexidades, se manifesta em Mishima, considerando suas profundas relações com o erotismo, a violência, a morte e o patriotismo. É importante saber que há três bases principais que caracterizam o pensamento de Mishima: a devoção à instituição imperial, o erotismo e a morte, havendo, para ele, uma indissociabilidade entre esses elementos. Com forte direcionamento político ultra-nacionalista, o corpo em Mishima assume ares patrióticos, além de se relacionar fortemente com a sexualidade e com a violência, e tais características são percebidas tanto em sua vida pessoal quanto em sua obra. O motivo que me levou a escolher o curta como objeto de estudo e análise é o fato de que nele encontram-se todos os elementos supracitados tão caros a Mishima, sendo, assim, uma importante síntese de seu pensamento estético e político, como também um ensaio para seu próprio seppuku, o suicídio samurai, que viria a ser cometido em 1970, aos seus 45 anos. O curta, baseado no conto Patriotismo, de 1960, é baseado no Incidente de 26 de Fevereiro de 1936 (em que houve uma tentativa de golpe de Estado por membros do Exército japonês), e possui como enredo o duplo suicídio amoroso e político do tenente Shinji Takeyama (interpretado pelo próprio Mishima) e sua esposa Reiko (interpretada por Yoshiko Tsuruoka). O curta conta com a estética do teatro , trilha sonora de Richard Wagner e, por ser mudo, forte uso do gestual e do corpo para a narração da tragédia do casal. Os momentos que antecedem o suicídio de ambos são marcados por fortes erotismo e devoção nacionalista que intensificam o êxtase da experiência de morte, dialogando, portanto, de maneira profunda com os valores pessoais e políticos do próprio Mishima.

Minicurso:

  • Guerra e paz na pré-história japonesa
    Larissa Bianca Nogueira Redditt
    Mestre em arqueologia – Museu Nacional-UFRJ, Mestranda em Japanese Humanities – IMAP-Kyushu University, coordenadora e pesquisadora do GHAJ/LHER-UFRJ

Os diferentes períodos da pré-história japonesa foram interpretados de maneiras muito diferentes nos dois últimos séculos. Recentemente, discursos que visam projetar no período Jōmon um ideal de sustentabilidade entre a sociedade humana e a natureza tem representado a população Jōmon como pacífica e harmoniosa. Esse discurso se volta para evidências arqueológicas como a aparente escassez de vestígios humanos com traços de morte violenta para este período. Em contraste, a presença de armas em larga escala e mudanças nos padrões de assentamento são utilizados para argumentar que o período Yayoi representaria o advento da violência no arquipélago, que se tornaria generalizada no período Kofun. Entretanto, se considerarmos mais atentamente as características de cada um destes períodos, veremos que estes discursos não se sustentam, além de serem extremamente problemáticos. Este minicurso pretende analisar o aspecto “marcial” da cultura material da pré-história japonesa e algumas das abordagens que foram feitas sobre ela pela arqueologia e historiografia modernas, bem como o mais recente paradigma ecológico.