IV COLÓQUIO NEJAP DE ESTUDOS JAPONESES – O Horror e o Sobrenatural no Japão: Estudos Transversais – Cronograma Oficial

28/10/2019 19:18

O IV Colóquio NEJAP de Estudos Japoneses, intitulado “O Horror e o Sobrenatural no Japão: Estudos Transversais”, ocorrerá nos dias 31/10 e 01/11, no Auditório Elke Hering, Biblioteca Universitária (BU), campus de Florianópolis – SC. O colóquio oferecerá certificado de participação de 16 horas, não necessitando inscrição prévia, apenas assinatura em lista de chamada, e contará com 11 apresentações de trabalhos, e 2 exibições de filmes.

Além disso, exibiremos outros três títulos no dia 30/10, como uma prévia ao Colóquio (as exibições do dia 30/10 ocorrerão no Mini-Auditório CNM, 2º Andar, Bloco D – CSE): Onibaba (às 13:30), Ju-On (às 16:00), e Dark Water (às 19:00).

Segue a programação oficial, junto dos resumos de cada apresentação.

Para maiores informações, entrar em contato em nejap@nejap.ufsc.br ou acompanhar nosso evento no Facebook.

RESUMOS DAS APRESENTAÇÕES

O fantasma no cinema japonês – das origens literárias e teatrais ao cinema moderno

Demian A. Garcia, doutorando em Cinema (UPJV) e professor do curso de Cinema e Audiovisual (Unespar)

As histórias de fantasmas no Japão vêm principalmente da tradição oral e da literatura, antes de serem adaptadas para o teatro e depois para o cinema. O budismo e o shintoísmo contribuíram com esse imaginário, supondo um período de espera entre a morte e a reencarnação e se baseando no culto aos ancestrais. A representação dos espíritos que retornam é muito desenvolvida na arte popular e profana. A tradição dos espíritos vingativos (onryou) é encontrada nas histórias de fantasmas (kaidan) do teatro kabuki, encenadas durante o O-bon. Os fantasmas (Yûrei) do período Edo, vindos do teatro e principalmente do kabuki, vão atravessar a história do cinema desde os kaidan eiga, nos anos 1950 e 1960, até a chamada J-horror, a partir dos anos 1990. Depois de várias adaptações de peças do kabuki para o cinema no período do cinema mudo, o kaidan eiga tem sua era de ouro com o reaparecimento do jidai-geki, após o fim da censura imposta pela ocupação americana. Fantasmas de mulheres que voltam para se vingar como Oiwa ou Okiku, assim como as mulheres gato (kaibyô) dominam o gênero durante essas duas décadas. Mas os fantasmas não aparecem somente em filmes de horror, e estão presentes frequentemente na filmografia de Kenji Mizoguchi e Akira Kurosawa. Após desaparecer dos cinemas por muito tempo, por motivos diversos (a televisão, o cansaço dos filmes com a mesma temática, os filmes políticos, de filmes de yakusa, etc.), o fantasma vai voltar ao cinema na chamada J-Horror com influência dos mangás, do reaparecimento do fenômeno das fotos espíritas e da disseminação das lendas urbanas, como a da Hanako-san ou Kuchisake. Em um primeiro momento, são filmes que representam histórias ditas “reais” e falsos documentários, sendo distribuiídos principalmente em VHS. Não são mais fantasmas de kimono que saem dos pântanos; eles fazem parte do dia a dia do tokyoíta, nas escolas, nas ruas, nos prédios e nos ônibus. O vídeo, o telefone e a internet aparecem como um meio moderno de possessão (Ringu, Uma Chamada perdida, Kairo) colocando em evidência uma relação ambígua do japonês com a tecnologia. Mas mesmo com essa modernização, a influência do teatro tradicional japonês vai persistir na maioria das adaptações cinematográficas, seja na relação com o som: uma ligação direta com os códigos da música do kabuki; seja na parte visual: se conectando até mesmo às estampas que se inspiraram do teatro tradicional, representando o fantasma com cabelos despenteados, vestido de branco, etc. Essa comunicação busca traçar a história dos fantasmas no cinema japonês e suas origens.

Palavras-chave: fantasma; cinema japonês; kabuki; horror.

Um pardal no ninho da andorinha”: o sujeito, a tradição e a diáspora em The Terror: Infamy

Yasmim Pereira Yonekura, doutoranda em Letras Inglês (UFSC)

Sheng Mei-ma (2012) define que para construir a modernidade, os corpos asiáticos devem fazer a travessia transoceânica, seja esta imaginária ou material. De tal forma, o autor discute diáspora e deslocamento, definindo a relação Ásia-Ocidente como um processo de transformar o continente asiático, e seus sujeitos, em um fantasma. O autor também discute em seu livro “East-West Montage: Reflections on Asian Bodies in Diaspora” (2008) a singularidade da representação do corpo diaspórico e de quais significados culturais e geopolíticos ele evoca. No mesmo sentido, a segunda temporada da série The Terror – com o subtítulo Infamy – (AMC, 2019), aborda a relação entre o fantasma da “terra antiga” e os seus sujeitos na diáspora. O enredo gira em torno de Chester Nakayama, filho de imigrantes japoneses nascido nos EUA, e sua família, durante o processo de encarceramento de japoneses em campos de concentração na segunda guerra mundial. Além do horror social, um suicídio misterioso desencadeia uma série de eventos sobrenaturais, conectados pela presença de uma misteriosa gueixa desconhecida. A misteriosa aparição evoca Iwasaka e Toelken, que propõem que a relação entre a sociedade japonesa e seus fantasmas está constantemente numa dialética de rearticulação das tradições antigas com a contemporaneidade do país (1994) no livro “Ghost and the Japanese: Cultural Experience in Japanese Death Legends”, exercendo diversas funções, das religiosas até as psicossociais. Assim essa pesquisa visa investigar como o seriado The Terror: Infamy articula a travessia transoceânica de sujeitos diaspóricos e a rearticulação da tradição através do horror sobrenatural e do resgate das memórias do horror social. De tal forma, essa pesquisa investigará o protagonista Chester Nakayama e sua família, como a vivência da repressão nos campos de concentração se relaciona com as questões dos sujeitos diaspóricos e com o elemento sobrenatural que perpassa a vida da comunidade durante a intervenção do governo dos EUA.

Palavras-chave: horror; terror; sobrenatural; diáspora; raça.

Buscando representações do feminino na obra de Shigeru Mizuki: Estudos Iniciais

Clara Állyegra Lyra Petter, bacharel em Letras Japonês (UFRGS) e especialista em Tradução (PUCRS)

Quando falamos atualmente de narrativas do sobrenatural japonês, o conteúdo ao qual grande parte do público tem acesso e consome, seja doméstico ou exportado, são produtos da cultura pop: mangá, anime, filmes, light novel, etc. Nesse panorama, na mesma medida em que consideramos Osamu Tezuka como “pai” do mangá e anime pelo impacto de suas obras em toda produção posterior, Shigeru Mizuki é considerado como “pai” do imaginário yōkai moderno. Este termo, yōkai, é uma palavra de uso relativamente moderno, originada em 1896 com o livro Yōkaigaku kōgi, e que busca englobar todo e qualquer relato de evento ou ser sobrenatural. A obra de Mizuki foi, e ainda é, uma influência inegável não só para os produtores de conteúdo da cultura pop, remodelando o imaginário visual e discursivo (cf. FOUCAULT, 1996) dessas aparições, como para pesquisadores de yōkaigaku, os estudos de yōkai. O autor foi o expoente mais expressivo da fundação do yōkai moderno, revitalizando essa área numa época que presenciou a diretiva da abolição do Estado Shintō e a grande influência da cultura e da filosofia ocidental no pós-guerra. Quando observamos narrativas sobrenaturais, chama atenção a grande quantidade de personagens femininas relevantes no gênero, como a figura da bruxa ocidental (majō) e diversas yōkai e yūrei, entre algumas mais famosas: Yuki-onna, Kuchi-sake-onna, Hanako-san, Okiku, Oiwa, Otsuya. Assim, neste estudo, busca-se respostas iniciais para a seguinte questão: quais representações de feminino podemos encontrar nas histórias sobrenaturais de Shigeru Mizuki? A intenção é descrever as representações encontradas e explicitar possíveis relações entre elas. Será utilizado como método a análise de conteúdo (cf. BARDIN, 2011) com triangulação de dados. Na pré-análise, para compreender o panorama histórico da área e do autor, assim como para entender outras representações do sobrenatural, serão mobilizados Davisson (2015), Foster (2008; 2015) e Kazuhiro (2017). Foram selecionadas para análise Kitaro (2013), The Great Tanuki War (2017) e Nonnonba (2018), fundamentais para a compreensão da obra de Mizuki na perspectiva dos estudos de yōkai. Dada a relevância e a influência da obra de Mizuki na cultura pop japonesa e nos estudos de yōkai, espera-se que mapear as representações femininas nas suas narrativas marcadas pelo imaginário sobrenatural pode ajudar a compreender como o feminino é representado em outras obras do gênero.

Palavras-chave: Shigeru Mizuki; representação feminina; folclore; estudos japoneses; análise de conteúdo.

Nacionalismo japonês no pós Segunda Guerra Mundial: tradição, sistema Ie e casamento fantasma no filme Ugetsu Monogatari (1953)

Marina de Jesus Amaral Spíndola, mestranda em História (UNIFESP)

Este estudo tem como objetivo analisar a obra Ugetsu Monogatari (1953) do diretor Kenji Mizoguchi, buscando ressaltar, mediante o contexto histórico de criação do filme, as necessidades dos japoneses de restituírem a memória dos ancestrais e dos falecidos no pós Segunda Guerra Mundial, através de uma obra cinematográfica, ficcional. Para tanto, será necessária uma investigação cautelosa sobre os diálogos, símbolos e iconotextos presentes no filme, que revelem as relações com os ancestrais, – sempre presentes no cotidiano familiar – e com aqueles que morreram precipitadamente, sem que pudessem gerar herdeiros ou se tornarem parte, de fato, de um panteão histórico familiar. Reconhecendo a importância e expectativas criadas historicamente sobre a família (Ie) e o sistema de deveres e obrigações para com a comunidade no Japão, acreditamos que Kenji Mizoguchi, em Ugetsu Monogatari, objetivou chamar a atenção do público japonês para um problema social, geracional causado pelas destruições advindas da Segunda Guerra Mundial, de forma metafórica, resgatando os contos de Ueda Akinari para denunciar a corrupção dos valores tradicionais japoneses no pós-guerra. Segundo a leitura da obra, neste estudo, pretendemos demonstrar como os espíritos e aparições fantasmagóricas em Ugetsu Monogatari são resultados de uma realidade bélica, que corroborou para esfacelar os ideais familiares, implicando em perdas de valores morais dentro da sociedade japonesa.

Palavras-chave: sistema Ie; Japão; Segunda Guerra Mundial; horror; cinema.

Simulacros e Rostilidade em Helter Skelter

Alice Grosseman Mattosinho, mestranda em Ciências da Linguagem (UNISUL)

Enquanto nos anos 50 e 60 o mercado de quadrinhos estadunidense sofria com a censura (NYBERG, 2009), o início dos anos 60 no Japão foi marcado com a evolução e crescimento no número de publicações de mangás (histórias em quadrinho japonesas) voltados para o público feminino, reação que coincide com mudanças de papéis de gênero para mulheres. A inserção cada vez maior dos mangás shoujo (quadrinhos para mulheres) acabou por fomentar uma geração inteira de garotas leitoras e também criadoras de mangás (SPIES, 2003). Dentre autoras de sucesso está Kyoko Okazaki, criadora do mangá “Helter Skelter”, publicado entre 1995 e 1996. A obra foi um sucesso de vendas e em 2012 é lançado um filme de longa metragem baseado no mangá de drama e horror de mesmo nome.

“Helter Skelter” apresenta a história de Liliko, uma modelo famosa no Japão com grande sucesso em sua carreira, inúmeras cirurgias plásticas e uma vida no limite do alcoolismo. Vê suas pequenas imperfeições, resultado de tantas cirurgias em seu rosto e corpo, aparecendo com cada vez mais frequência e, por isso, sente sua carreira ameaçada por modelos mais jovens, chegando ao ponto de ordenar que sua assistente jogue ácido no rosto da noiva de seu amante. É investigada por um detetive que busca descobrir as ilegalidades da clínica onde a protagonista e outras modelos realizam suas cirurgias estéticas. Em diversas ocasiões o detetive menciona que Liliko move-se como se seu corpo não fizesse sentido com seus músculos. Sendo Liliko a tentativa de um ideal de beleza, remonta-se ao conceito platônico do simulacro, estudado por Gilles Deleuze. Para o autor, um simulacro é uma imagem degenerada, uma imagem que se insinua contra a Ideia, diferentemente da cópia da imagem, cópia da Ideia. “A cópia não parece verdadeiramente a alguma coisa senão na medida em que parece à Ideia da coisa. O pretendente não é conforme ao objeto senão na medida em que se modela (interiormente e espiritualmente) sobre a Ideia.” (DELEUZE, 2000, pg. 4). A beleza de Liliko é a versão degenerada, o simulacro do ideal do belo, remontada a cada corte cirúrgico que sua carne recebe. A estrutura do mangá reforça o rosto de Liliko e das outras modelos, com uma semelhança (intencional ou não) nos traços, reforçando uma repetição exacerbada de um padrão visual e de um plano para o tipo de quadro em zoom. Considerando a profissão de modelo, o rosto torna-se um ícone e um afeto, e a repetição dos rostos nos quadros cria uma multiplicidade, um vício. “A imagem-afecção é o primeiro plano e o primeiro plano é o rosto…” (DELEUZE, 2018, p. 141).

A partir desses dois conceitos deleuzianos de simulacro e rostilidade, o objetivo desta pesquisa em curso é realizar uma análise estética para explorar o tema acerca da representação gráfica e narrativa visual apresentados no quadrinho e como interferem o na apresentação visual da protagonista e nos rostos das personagens.

Palavras-chave: Helter Skelter; shoujo; horror; rostilidade; Deleuze; quadrinhos.

O olho e o sangue: um diálogo entre Garyou Tensei e Cobras e Piercings

Wanderson Tobias Rodrigues, mestrando em Literatura (UnB)

Cobras e Piercings, título que concedeu o Prêmio Akutagawa de Literatura à Hitomi Kanehara em 2004, é uma obra regada a suspense e violência, trazendo a história de uma jovem japonesa (Lui Nakazawa) em seu trajeto de modificação corporal, enquanto enfrenta uma série de violências (físicas e psicológicas) no cenário do Japão contemporâneo. Um dos processos escolhidos pela personagem é o de ter as suas costas tatuadas, decidindo por ter um dragão e um kirin gravados em sua pele, entretanto a personagem faz uma única exigência ao tatuador, para que ele não desenhe os olhos no dragão e nem no kirin. A razão pela qual a protagonista decide por não ter a sua tatuagem “terminada” é a superstição trazida pela lenda de Garyou Tensei, na qual um pintor é contratado para preencher um mural e acaba por produzir a imagem de quatro dragões no mesmo. De inesperado, o artista decide por deixar sem pintar a área dos olhos das bestas, pois acredita que se os fizesse por completo, eles iriam criar vida e voariam para fora da imagem. Diante dessa decisão estranha e supersticiosa, o contratante se interpõe e exige que ele as complete, de modo que ao realizá-lo, de fato os dragões criam vida e voam embora. A partir disso, propomos na corrente pesquisa a analisar a influência da lenda e suas consequências provocadas na narrativa de Kanehara, levando em consideração que as tatuagens passam a assumir um significante na identidade da protagonista até o desfecho da obra, quando a jovem decide por concluir a tatuagem e tatuar os olhos dos seres. Nesse processo, podemos identificar o sentimento masoquista da jovem, permitindo ao leitor viver momentos de suspense a aflição diante da decisão repentina da protagonista, permitindo-nos questionar como uma superstição antiga ainda provoca receio e interfere em na comunidade jovem do Japão.

Palavras-chaves: Cobras e Piercings; Garyou Tensei; superstição; tatuagem.

Naufrágios: da tradição cruel ao terror, uma narrativa aberta ao questionamento de valores

Jovanca Kamizi Ichikawa, graduanda em Letras Japonês (UFPR)

A obra Naufrágios (2003 [1982]) de Akira Yoshimura conta a história de uma aldeia que para não morrer de fome utiliza-se de uma prática cruel, no entanto, essa tradição leva esse povoado aos seus dias de terror. Este estudo visou analisar a representação do terror e do horror em Naufrágios, de forma a perceber como a narrativa, os elementos e a linguagem literária, aproximam o leitor de uma possível aceitação e conformação com a crueldade praticada pelos aldeões. Além disso, buscou entender a coexistência do sublime e do grotesco na obra, para poder delinear a possibilidade de compreensão da relação entre aquilo que choca e comove, para assim identificar como o leitor percebe o contraditório, numa narrativa aberta ao questionamento de valores. A metodologia utilizada foi a pesquisa descritiva de cunho bibliográfico, com uma abordagem qualitativa. Para compor a discussão e análise da obra, foram utilizados os teóricos Lovecraft (1987 [1973]), King (2012, [1981]), Hugo (2007 [1827]), Kayser (1986 [1957]), Carroll (1999 [1991]), entre outros. Espera-se com esse trabalho poder abrir uma discussão sobre sobrevivência, quais limites aceitáveis, refletir sobre crueldade, terror, horror, perda da infância, doenças e tráfico humano, num âmbito ficcional, que talvez muito próximo à realidade. Uma reflexão sobre o ser humano atravessado pelo terror e horror em suas distinções.

Palavras-chave: ficção; grotesco; horror; literatura japonesa; Naufrágios; terror.

Xintoísmo e Produção de Presença – A espiritualidade no mangá Mushishi

Guilherme Silva, mestrando em Ensino de História (UDESC)

As histórias em quadrinhos invadiram o século XX com força total, tanto no ocidente, quanto no oriente, tornando-se uma referência constante na cultura global. Nesta pesquisa, intento contribuir para a pesquisa histórica a partir de fontes iconográficas – sem esquecer a dos estudos orientais – ao analisar o mangá Mushishi (1999-2008). Fontes históricas, dadas a múltiplas abordagens, com um interrogatório qualificado aos quadrinhos, podem revelar também múltiplas experiências, como o silêncio da espiritualidade, a dilatação do tempo e mesmo a sobrevivência de sensibilidades ancestrais. É na análise dessas questões que o trabalho encontra diálogo com a estética da recepção, pois desenvolve aporte teórico inspirado na Teoria da Presença de Hans Gumbrecht (2010). Esta proposta sustenta que a recorrência das formas Shintô no mangá Mushishi, associadas à politécnica da arte e da edição empregadas nos mangás, têm como resultado a “Produção de Presença” material – causando impressões nos corpos humanos – de um passado tradicional antes distanciado. Assim, verifico como uma história em quadrinhos, com todos os seus elementos, contribui para um processo complexo, de compreensão sensitiva de tempo e de espaço, o qual pretendo expor e entender com auxílio do exame das ferramentas de presentificação.

Palavras-chave: Produção de Presença; mangá; xintoísmo; Japão; presentificação.

Godzillas e a Guerra Fria: contribuições da história social do cinema e o clássico de horror japonês

Gustavo Henrique Shigunov, bacharel em História (UFSC)

Esta comunicação visa discutir, a partir dos filmes Godzilla (1954) e sua versão “americanizada” Godzilla, o monstro do mar (1956), as aproximações entre história e cinema. Em contexto de Guerra Fria na década de 1950, os filmes de ficção científica e de horror não só tensionavam os eventos da Segunda Guerra Mundial mas também as angústias, medos e ansiedades do futuro tecnológico, marcado pela disputa atômica entre Estados Unidos e União Soviética. Nesse sentido, representando as consequências políticas e sociais das bombas atômicas no Japão pós-guerra, Godzilla torna-se um paradigma no cinema de horror japonês, exercendo enorme influência cultural tanto nacionalmente quanto internacionalmente. Com base na perspectiva teórica da história social do cinema, pretende-se analisar criticamente a produção original japonesa e sua versão adaptada nos moldes hollywoodianos, problematizando suas respectivas produções, distribuições e recepções cinematográficas. Cotejando o contexto histórico da Guerra Fria com os aspectos das produções, bem como suas características e temas, procuramos inserir o cinema clássico de horror japonês nas discussões e relações interdisciplinares entre o campo da história e do cinema.

Palavras-Chave: Godzilla; cinema japonês; Guerra Fria; história social do cinema.

A Família Celeste: considerações sobre a existência de um panteão no seio do Shintō

Márcio Cardoso Lisboa Jr., graduando em História (UFSC) e membro do NEJAP

Como qualquer expressão religiosa tradicional, o Xintoísmo possui uma narrativa mítica de origem, e como peculiar dos politeísmos, possui uma narrativa teogônica que explica a origem de suas divindades. Tais elementos também podem ser observados em outros politeísmos, como o greco-romano. Em sua prática, porém, o politeísmo greco-romano demonstra um elemento de “divindades locais” que destoa da narrativa de um Panteão, ou uma “família celeste”. Perante tal constatação, uma pergunta então deve ser feita: o Xintoísmo, em sua prática, possui elementos, assim como a religiosidade mediterrânea, que botam por terra a noção de um “Panteão dos Kami”?

Busca-se aqui então desconstruir a noção do Shinto como uma religião de cânone único, usando a classificação de múltiplos santuários descrita nos dez primeiros livros do Engi Shiki, como plataforma para iniciar o argumento de uma possível semelhança entre o que teoriza aqui como o “Shinto real” e a descrição do paganismo mediterrâneo apresentada no clássico “A Cidade Antiga”, de Fustel de Coulanges. Como pontes para o problema, se apresentam os dois primeiros livros do Nihon Shoki como uma espécie de teogonia do Shinto, em face da Teogonia de Hesíodo como exemplos da visão de Panteão que se intenciona descontruir neste trabalho.

Palavras-chave: Shinto; Paganismo; Panteão; Engi Shiki; Nihon Shoki.

Profecias, Fantasmas, e Maldições: o Sobrenatural no Imaginário Guerreiro e na Guerra no Japão medieval

Kauê Otávio, graduando em História (UFSC) e coordenador do NEJAP

Lugares-comuns nos gunkimonogatari, épicos de guerra japoneses, são o “anúncio de nomes” (nanori), as saraivadas de flechas sibilantes ao início da batalha, as disputas entre guerreiros de um mesmo lado para ver quem será o primeiro a chocar-se contra o inimigo, a prática da caça às cabeças (buntori), e o suicídio ritual (seppuku) quando tudo mais fracassa. No entanto, embora menos comuns, estas mesmas narrativas são ricamente permeadas pela presença de divindades protetoras, fantasmas vingativos, favores divinos, armas sagradas, sonhos premonitórios, ocorrências ominosas, presságios, e ritos mágico-religiosos para influenciar o resultado de batalhas e campanhas. O presente estudo pretende voltar-se para este aspecto menos estudado dos épicos de guerra, que aqui chamarei de presença do “sobrenatural” na guerra e no imaginário guerreiro.

Como objetivo primário, para além de definir o sobrenatural como categoria analítica, pretendo dividir os múltiplos fenômenos categorizados como sobrenaturais em grandes grupos, de modo a formar, inspirado pela obra de Vladimir Propp, uma “morfologia” do sobrenatural nas narrativas de guerra, com foco especial para os gunkimonogatari. Para além disso, pretendo analisar o complexo jogo entre crença sincera e usos políticos e ideológicos do sobrenatural nas narrativas analisadas, tentando delimitar a tênue barreira que muitas vezes separa um fenômeno do outro, e revelar a complexidade dos usos do sobrenatural nessas narrativas, e seu peso no imaginário e nas crenças dos samurais do fim do período clássico a meados da idade média japonesa (séculos X a XIV, mais especificamente). Alcançando tais objetivos, pretendo com o presente estudo ampliar a discussão mais geral sobre a história militar do Japão, e colocar em primeiro plano a muitas vezes ignorada relação entre a guerra, a religião, as crenças, e o incompreensível.

Palavras-chave: guerra e religião; guerra e sobrenatural; idade média japonesa; crenças dos samurais; práticas divinatórias; presságios; criaturas folclóricas.